O CONDOMÍNIO EM REGIME DE MULTIPROPRIEDADE E SEUS ASPECTOS REGISTRAIS

José Roberto Soares Júnior[1]

 

RESUMO

 O Registro Imobiliário confere segurança e eficácia aos atos relacionados aos direitos reais. Nesse sentido, a multipropriedade está diretamente atrelada ao registro de imóveis, pois a instituição e a organização das unidades temporais dependem da força registral para que produzam efeitos. A Lei 13.777/2018 institui legalmente o time sharing no direito imobiliário nacional, repercutindo tanto no Direito Civil, quanto no Direito Registral Imobiliário, sendo este último o principal foco deste trabalho.

Palavras-chave: Multipropriedade; Registro Imobiliário; Direitos Reais.

 

INTRODUÇÃO

 

A figura do condomínio tem se mostrado bastante presente na realidade jurídica brasileira se apresentando de variadas formas, tais como: o condomínio de edilício e o condomínio de lotes. A multipropriedade (também denominada time sharing) pode ser vista como um desses desdobramentos do condomínio e foi inserida no contexto jurídico brasileiro a partir da Lei n. 13.777/2018.

Nas palavras de Venosa (2019), no sistema de multipropriedade o adquirente passa a ser titular de determinado imóvel por certa fração de tempo anual, podendo usar e gozar do bem livremente. A partir dessa definição, verifica-se que, embora não tenha sido inserida no rol de direitos presentes no art. 1.225 do Código Civil brasileiro, a multipropriedade pode ser reconhecida como direito real e tal reconhecimento repercutirá diretamente nas formas de instituição e de registro do condomínio perante o Registro de Imóveis.

 

O REGISTRO DA MULTIPROPRIEDADE: A INSTITUIÇÃO DE DIREITO REAL SOBRE COISA PRÓPRIA E SUA REPERCURSÃO NO DIREITO REGISTRAL IMOBILIÁRIO

 

A partir do teor do art. 167 da Lei n. 6.015/1973, verifica-se os atos que deverão ser praticados no Registro de Imóveis. De um modo geral, é possível afirmar que os registros dizem respeito à instituição e à transferência de direitos reais sobre imóveis; enquanto as averbações alteram a situação jurídica, tanto do imóvel, quanto do titular do direito real a este relacionado.

Embora outrora houvesse divergência acerca da natureza jurídica da Multipropriedade, hodiernamente é bastante aceito, inclusive pelo STJ, o entendimento de que tal modalidade de condomínio se encaixa no rol de direitos reais previstos pelo legislador pátrio, especificamente aqueles incidentes sobre coisa própria.

O time sharing vem sendo definido pela doutrina especializada como uma forma de parcelamento do imóvel, sendo que, nesta forma, o fracionamento ocorreria de modo temporal, onde o imóvel se fragmentaria em várias unidades autônomas diretamente atreladas a uma fração de tempo ao longo ano. Para De Oliveira (2019) a multipropriedade precisaria ser vista como uma forma de “parcelamento temporal do bem em unidades autônomas periódicas. É pulverizar um bem físico no tempo por meio de uma ficção jurídica. ”.

Referida ficção jurídica reflete diretamente nos Registros Públicos, isso porque a Lei 13.777/18, promoveu alterações não só no Código Civil brasileiro, mas também na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73). Frisa-se que a instituição do Condomínio Multiproprietário é o ato jurídico por meio do qual surge a figura condominial enquanto direito real. Haverá a instituição do condomínio na matrícula do imóvel-base e, como consequência, a abertura de matrículas individualizadas para cada uma das unidades periódicas. Nestas matrículas se registrarão e averbarão os atos referentes à respectiva fração de tempo, como determina o art. 1.358-F, do Código Civil e os art. 176, §1º, II, “6” e §§10 e 12, da Lei de Registros Públicos.

A necessidade de individualização das unidades periódicas em matrículas próprias é uma manifestação de respeito ao princípio da Unitariedade Matricial, segundo o qual cada imóvel deverá ser objeto de uma única matrícula. A matrícula deve ser vista como o núcleo do registro imobiliário e a exatidão de suas indicações dará assentamento à propriedade imobiliária, de modo a indicar a rigorosa individualidade da unidade predial.

Importa frisar, que o sistema de time sharing difere em muitos aspectos dos condomínios edilícios, pois, enquanto nesses últimos há uma divisão de frações ideais do terreno onde está erguido, no primeiro a divisão é ficta e temporal, ou seja, dirá respeito ao tempo de utilização por cada multiproprietário, respeitando-se as regras trazidas pela legislação específica e pela própria convenção de condomínio, que deverá ser registrada no Registro de Imóveis competente, seguindo todas as formalidades inerentes à norma registral.

O art. 1.358-F do Código Civil determina que a multipropriedade poderá ser instituída por ato entre vivos ou através de testamento levado a registro no Cartório de Imóveis competente. Destaque-se que, por se tratar da instituição de um direito real sobre imóvel, embora não haja clareza do legislador, os atos de alteração e constituição da multipropriedade dependerão da existência de Escritura Pública, em respeito ao teor do art. 108, do Código Civil brasileiro. É uma mutação jurídico-real do imóvel e, por modificar direito real atrairia Escritura Pública (TARTUCE, 2019).

No aspecto registral, a multipropriedade repercute diretamente na instituição de direitos e deveres sobre o imóvel compartilhado. Por se tratar de um direito real sobre coisa própria, cada multiproprietário é dono de uma fração de tempo sobre o imóvel e com isso sobre ele recairão todas as chamadas obrigações propter rem.

Não existe vinculação entre os multiproprietários, uma vez que não se trata de uma relação obrigacional entre estes. Cada um deles é dono de uma fração de tempo objeto de matrícula autônoma, podendo usar e gozar desse bem dentro dos limites temporais previamente estabelecidos e plenamente reconhecidos através do Registro Imobiliário competente.

 

CONCLUSÃO

 

A lei 13.777/2018 inaugurou no sistema normativo brasileiro um instituto que já vinha se popularizando ao redor do mundo, em especial na Europa. O reconhecimento da multipropriedade como direito real sobre coisa própria e a consequente atribuição de força registral a referido instituto lhe confere um status de maior segurança no âmbito das relações imobiliárias nacionais, fazendo com que possa vir a ser melhor explorado ao passo em que se torne mais conhecido por investidores e sujeitos atuantes nos segmentos do turismo.

A importância e repercussão registral da multipropriedade é nítida, uma vez que este segue a tendência de utilização de instrumentos públicos para sua instituição e eficácia, uma vez que, a multipropriedade poderá ser instituída através de testamento ou por escritura pública em ato inter vivos, sendo posteriormente levada à análise do oficial do registro de imóveis que, ao seu turno conferirá publicidade e eficácia ao condomínio, passando este a repercutir de todas as formas cabíveis dentro dos parâmetros normativos nacionais.

REFERÊNCIAS

DE OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias. Considerações sobre a recente Lei da Multipropriedade. 2019. Disponível em: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/661740743/consideracoes-sobre-a-recente-lei-da-multipropriedade> Acesso em: 18 setembro 2019.

TARTUCE, Flávio. Análise detalhada da multipropriedade no Brasil após a Lei 13.777/2018: pontos polêmicos e aspectos de registro público. 2019. Disponível em: < http://genjuridico.com.br/2019/03/21/analise-detalhada-da-multipropriedade-no-brasil-apos-a-lei-no-13-777-2018-pontos-polemicos-e-aspectos-de-registros-publicos/>. Acesso em: 20 setembro 2019.

VENOSA, Silvio de Salvo. Multipropriedade (time sharing). 2019. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI295907,61044-Multipropriedade+time+sharing> Acesso em: 17 setembro 2019.

[1] Advogado atuante em Direito Notarial e Registral. Graduado em Direito pelo Centro Universitário do Vale do Ipojuca – UNIFAVIP|WYDEN (2018)

Compartilhe esse artigo: