O REGISTRO IMOBILIÁRIO COMO MECANISMO DE PROTEÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Renata Nayane de Menezes[1]

Resumo: O presente ensaio tem por objeto provocar a reflexão sobre a importância da proteção da biodiversidade através do registro imobiliário. A análise apresentada será a disposição do caráter público do registro imobiliário e da garantia a efetividade do princípio ambiental da informação.
Palavras-chave: 1. Proteção ambiental 2. Registro Imobiliário 3. Direito de Propriedade

INTRODUÇÃO
Este ensaio comemorativo promovido para o escritório Saulo Santos Advocacia tem por inspiração a celebração do Dia Mundial do Meio Ambiente organizado anualmente no dia 05 de junho, desde 1974 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). O objetivo da celebração é oportunizar a conscientização ambiental através de abordagens temáticas e representativas para a tomada de iniciativas pelo indivíduo, sociedade, empresas privadas e o poder público.

Em 2020, a comemoração do Dia mundial do Meio Ambiente terá como temática a proteção da biodiversidade e o anfitrião escolhido foi a Colômbia. Segundo a PNUMA, a Colômbia representa10% da biodiversidade do planeta e contém no seu território parte da floresta amazônica e ecossistemas úmidos da biogeográfica de Chocó2.

Assim, buscando o engajamento na temática da proteção da biodiversidade, o presente ensaio tem por objetivo apresentar esse assunto que é escasso o debate nos estudos jurídicos e expor a aplicação da transversalidade do Direito Ambiental nos ramos do Direito Imobiliário e do Direito Registral, como também a funcionalidade dos parâmetros legais sustentáveis no ambiente natural e ambiente artificial.

O REGISTRO DO IMÓVEL COMO FERRAMENTA DE DIÁLOGO DO DIREITO DE PROPRIEDADE E A PROTEÇÃO DA BIODIVERSIDADE

A proteção da biodiversidade é a temática comemorativa do Dia Mundial do Meio Ambiente em 2020. O PNUMA consagrou 2020 “como ano chave para a biodiversidade”.

Em âmbito do Direito Internacional do Ambiente já foram instituídas diversas normas sobre a proteção da biodiversidade, confirmando a urgência de aplicação pelos Estados e diante a relevante preocupação sobre os efeitos devastadores da degradação ambiental. Na legislação ambiental brasileira, a proteção da biodiversidade é instituída pela Lei nº 6.938/1981 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e como também em especial a Lei da Biodiversidade Brasileira instituída pela Lei nº 13.123/2015.

Assim, em busca de uma provocação sobre o tema da proteção da biodiversidade e contextualizando sobre os aspectos da propriedade imobiliária, quais são os mecanismos que poderão utilizar o registro imobiliário para concretização da função socioambiental da propriedade e consequentemente a proteção da biodiversidade?

É notório afirmar que o registro imobiliário é peça fundamental para assegurar os princípios do direito registral e notarial, como publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos [3], sendo assim, o ato de registrar é o elo importante, pois este que assegura o desenvolvimento econômico, como também garante a manutenção da proteção ambiental através da fixação da função socioambiental da propriedade imobiliária [4].

Vale ressaltar, que o direito real de propriedade atribuído no art. 1.228 do Código Civil que define o exercício do proprietário através do direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e reavê-los do poder de quem quer que injustamente. Logo, através do registro do título de propriedade imobiliária que se o pleno direito e publicita a titularidade da propriedade do imóvel. Insta informar, a modalidade do instituto da usucapião que considera a aquisição da propriedade, mediante o exercício da posse pacífica e contínua, durante certo período previsto em lei [5], em que o imóvel após procedimento do usucapião judicial será determinado via sentença judicial para o ato de registro, ou, na modalidade do usucapião extrajudicial que poderá ser registrado através do cumprimento de todas as exigências legais.

Assim, através do ato de matrícula [6] que se assegura a existência do imóvel, esse instrumento tem a função de documentar todas as informações do imóvel, como titularidade, localização, finalidade do imóvel (rural ou urbano); características como confrontantes, medições de área e o georreferenciamento; os atos jurídicos que implicam a transferência, alteração ou extinção de direitos reais; como também as averbações, benfeitorias e observações, além outras especificações constantes na legislação dos registros de imóveis.

Na matrícula do imóvel deverá ser incluídas informações ambientais, como o exemplo da propriedade rural, que descreverá as informações relevantes sobre se o imóvel além do auxílio tecnológico do georreferenciamento, em que serão definidas detalhes como a localização da propriedade e se está situada em uma área que possui características finais como: reserva particular do patrimônio natural, Área de Preservação Permanente – APP, de uso restrito, de Reserva Legal, de remanescentes de florestas e contenha demais formas de vegetação nativa.

Observa-se, o que institui o Provimento CGJ n.º 37/2015 [7], que dispõem sobre que as informações ambientais em propriedades rurais poderão ser convalidadas pelo órgão ambiental através do Cadastro Ambiental Rural- CAR, que tem por objetivo a construção e um banco de dados para o controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico, como também meios de combate ao desmatamento.

Nas propriedades urbanas, os exemplos são no caso do cadastro de áreas verdes em loteamentos, imóveis tombados e o cadastro de áreas contaminadas, por substâncias perigosas e as determinações sobre restrições administrativas de natureza sanitárias e ambientais, com proibições de construções de qualquer natureza em âmbito urbano [8]. Além de disso, poderão ser apresentados no ato de registo a certificação de padrão de qualidade de sustentabilidade ambiental dada construção, que tem um aspecto finalístico promissor, pois agrega valor econômico ao imóvel e o coloca ainda mais competitivo no mercado imobiliário [9].

Desse modo, com a mesclagem dos princípios fundamentais do Direito Notarial e Registral com os princípios ambientais, poderão ser instrumentos garantidores da proteção da biodiversidade e do ambiente natural e artificial, além de que os Registro imobiliário exercerá sua função socioambiental através de sua competência pública.

O exercício da função ambiental será exercido com a observância do cumprimento legal das propriedades imobiliárias aos dispositivos da legislação ambiental com o atendimento às pré-disposições do princípio da função socioambiental da propriedade.

O diálogo sobre a proteção ambiental e propriedade privada adveio com a instituição da Constituição Federal de 1988 no art. 225 [10], que determinou as prerrogativas sobre a temática ambiental que instituiu o direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado e a valorização da proteção do bem ambiental [11].

Nesses termos, do direito de propriedade ganhou uma nova roupagem, transformando-se em um direito e dever fundamental do proprietário em cumprir o princípio da função socioambiental, que incluiu limites nos direitos de propriedade, conforme a determinação do art. 1.228 § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

De acordo com o princípio da função socioambiental, o ato de registro imobiliário é um importante mecanismo para promoção da proteção da biodiversidade, devido ao cumprimento do princípio da publicidade do Direito Notarial e Registral que poderá ser aplicado em conjunto com o princípio ambiental da informação.

O princípio da publicidade no Direito Notarial e Registral estabelecido no art. 17 da Lei nº 6.015 de 1973, determina que “Qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido”, o que garante o cumprimento do princípio da informação no Direito Ambiental.

O Princípio da informação no Direito Ambiental definido na Declaração Rio de Janeiro de 1992 [12], como princípio 10 que determina que:

“No plano nacional, toda pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o ambiente de que dispõem as autoridades públicas, incluí dá a informação sobre os materiais e as atividades que oferecem perigo a suas comunidades, assim como a oportunidade de participar dos processos de adoção de decisões. Os Estados deverão facilitar e fomentar a sensibilização e a participação do público, colocando a informação à disposição de todos. Deverá ser proporcionado acesso efetivo aos procedimentos judiciais e administrativos, entre os quais o
ressarcimento de danos e recursos pertinentes.

O princípio da informação serviu base para a instituição da Lei 10.620, de 16 de abril de 2003, que prevê o acesso da informação de qualquer cidadão nos termos do art. 2º, que dispõe sobre a transmissão das informações ambientais ao público:

Art. 2o Os órgãos e entidades da Administração Pública, direta, indireta e fundacional, integrantes do Sisnama, ficam obrigados a permitir o acesso público aos documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de matéria ambiental e a fornecer todas as informações ambientais que estejam sob sua guarda, em meio escrito, visual, sonoro ou eletrônico.

E acordo com os estudos apresentados por Marcelo Augusto Santana de Melo [13], que crítica a centralização do sistema de informação ambiental e a não da integração do Registro Imóveis com os órgãos ambientais, vejamos:

“Percebe-se que a intenção do legislador foi de outorgar e centralizar as informações sobre o meio ambiente de todo o País; contudo, por problemas estruturais e financeiros, o sistema praticamente não saiu do projeto: foi desperdiçada excelente oportunidade para integrar o Registro de Imóveis e as informações do SISNAMA. A estrutura do sistema registrário brasileiro, como iremos estudar, é nacional e já se encontra desenvolvida ou em desenvolvimento há mais de um século, de forma que seria menos oneroso aproveitar o Registro de Imóveis e suas características para disponibilizar a informação ambiental à população.”

Portanto, com a concisa apresentação do tema foi verificado a importância do registro imobiliário relacionado com as regras do direito ambiental, apresentando assim a necessidade de uma correlação contínua com os órgãos de fiscalização ambiental, para que se possa garantir o cumprimento da função social da propriedade, a informação ambiental a terceiros interessados e a proteção da biodiversidade.

CONSIDERAÇÕES
Diante a breve exposição sobre tema e da relevante necessidade de fomentar mais discursões e estudos sobre o assunto, o intuito do presente ensaio foi de caráter informativo com o condão de provocar no leitor a importância do registro de imóveis para a proteção da biodiversidade.

Desse modo, foi verificado a importância do princípio da publicidade no que tange os atos registrais para garantia do interesse público, tanto sobre a transparência das informações essenciais da propriedade imobiliária, quanto ao atendimento a função socioambiental.

Em linhas gerais, é possível verificar a transversalidade do Direito Ambiental nas diversas áreas do Direito e a necessidade constante de aprimoramento de mecanismos eficientes que possam estabelecer segurança jurídica e a garantias de proteção do bem ambiental que comum a todos, como a biodiversidade.

REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro (Lei dos cartórios). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8935.htm>. Acesso em
05.06.2020.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 04.06.2020.

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MELO, Marcelo Augusto S. Meio Ambiente e Registro de imóveis (estudo). Disponível em: <https://marcelommmelo.com/obra-meio-ambiente-e-registro-de-imveis2/#_Toc514057935> Acesso em 04.06.2020.

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[1] Advogada especializada em Direito Ambiental associada ao escritório Saulo Santos Advocacia. Mestre em Direito, Ciências Jurídico-Ambientais Universidade de Lisboa (2017). Pesquisadora voluntária do Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade (CEDIS) da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Graduação em Direito pela Faculdade ASCES (2011).

[2] UN. Colombia to host 2020 World Environment Day on biodiversity. Disponível em : < https://www.unenvironment.org/news-and-stories/press-release/colombia-host-2020-world-environmentday-biodiversity> Acesso em 05.06.2020.

[3] Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. BRASIL, Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro (Lei dos cartórios). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8935.htm>. Acesso em 05.06.2020.

[4] DEBONI, Giuliano; CAVALCANTI, Alexandre de Mendonça. Matrícula Imobiliária e a sua Caracterização pela Qualidade e Sustentabilidade Ambiental do Edifício. Editora Lex Magister. Disponível em:<http://www.lexeditora.com.br/doutrina_23866886_MATRICULA_IMOBILIARIA_E_A_SUA_CARA CTERIZACAO_PELA_QUALIDADE_E_SUSTENTABILIDADE_AMBIENTAL_DO_EDIFICIO.aspx> Acesso em: 05.06.2020.

[5] GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Manual de Direito Civil. Volume único. 4 ed. São Paulo: Saraiva,2020, p.1581.

[6] Conforme os ensinamentos de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona “A matrícula, em linguagem figurada, é “o número de batismo” do imóvel, em outras palavras, a matrícula é efetuada por ocasião do primeiro registro a ser lançado na vigência da Lei de Registros Públicos (art. 228)”. Ibidem, p. 1601.

[7] PERNAMBUCO. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Pernambuco. Código de normas: dos serviços notariais e de registros do estado de Pernambuco. Revisada. Recife: ARIPE, 2016. Disponível em: <http://tabelionatofigueiredo.com/storage/documents/5/1520629552505-codigo-de-normas2016.pdf> Acesso em 04.06.2020.

[8] SOUZA, Silmara Veiga de. O Registro Imobiliário das limitações ambientais como instrumento de proteção da biodiversidade. Disponível em : < https://www.academia.edu/42608553/O_REGISTRO_IMOBILI%C3%81RIO_DAS_LIMITA%C3%87%C3%95ES_AMBIENTAIS_COMO_INSTRUMENTO_DE_PROTEC3%87
%C3%83O_DA_BIODIVERSIDADE_NO_BRASIL> Acesso em 03.06.2020.

[9] DEBONI, op. cit.

[10] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 04.06.2020.

[11] A definição sobre o conceito: o bem ambiental é o elemento da natureza especialmente carecido de proteção, por razões antrópicas ou naturais. GOMES. Carla Amado. Introdução ao Direito do Ambiente. 2ª Ed.; Lisboa: AAFDL, 2014.

[12] Declaração do Rio de Janeiro.Estud. av. [online]. 1992, vol.6, n.15, pp.153-159. ISSN 1806-9592. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-40141992000200013> Acesso em 04.06.2020.

[13] MELO, Marcelo Augusto S. Meio Ambiente e Registro de imóveis (estudo). Disponível em:<https://marcelommmelo.com/obra-meio-ambiente-e-registro-de-imveis-2/#_Toc514057935> Acesso em 04.06.2020

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